Como artistas indígenas do Pantanal coloriram um bairro inteiro na Alemanha?
O bairro de Hellersdorf, em Berlim, queria deixar para trás a cinza da Guerra Fria e buscava projetos para criar uma nova identidade para seus extensos conjuntos habitacionais após a queda do Muro de Berlim. Os moradores queriam algo que fosse a cara da América Latina, colorido e contemporâneo. A solução? Veio do Brasil e com a participação de artistas Kadiwéu.
Mais de 50 escritórios de arquitetura latino-americanos apresentaram propostas e ganhou o ‘Brasil Arquitetura’, de São Paulo. O projeto usou grafismos desenhados por 6 mulheres indígenas da aldeia Bodoquena (MS), como modelos para mais de 50 mil azulejos.
Artes feitas pelas mãos de Sandra da Silva, Claudia Pedroso, Joana Baleia, Sofia de Souza, Acácia de Almeida e Saturnina da Silva revestem paredes de conjuntos habitacionais no hoje conhecido ‘Bairro Amarelo’. Mais de 90 mulheres Kadiwéu – de 15 a 92 anos – participaram do processo seletivo feito pelo escritório e enviado até a aldeia. Cada uma desenhou à mão, em folhas de papel especial no tamanho dos azulejos.
O valor proposto foi de 20 mil marcos, algo em torno de 10 mil euros atualmente, pelos seis melhores desenhos. Após assembleia, as mulheres decidiram que o total seria distribuído entre todas que participaram do concurso e consideraram o valor simbólico. Elas exigiram que as vencedoras também ganhassem uma viagem de intercâmbio cultural a Berlim, e assim aconteceu.
O reconhecimento veio de fora: Além da viagem à Berlim, as artistas receberam direitos autorais – um marco inédito na história das artes indígenas. Cada traço carrega histórias de um povo guardião do Pantanal e do Chaco. Seus grafismos celebram conquistas e a presença da mulher indígena como protagonista em espaços.
Os grafismos podem ser feitos com jenipapo, cal e carvão. Estão em corpos, cerâmicas, roupas, design, paredes… Mais que arte: são resistência, memória e conexão com a natureza.
São identidade, território, passado, presente e futuro. Valorizar o grafismo Kadiwéu é reconhecer o papel dos povos indígenas na proteção dos nossos biomas. Cultura e conservação caminham juntas.




Texto: Alicce Rodrigues; Fotos: Alicce Rodrigues e Isabel Simon